domingo, 19 de dezembro de 2010

Receitas

Tem gente que vive dando receitas...
Algumas pessoas, inclusive, acreditam que há sempre um modo de preparar-se para as coisas que virão.
Ingredientes para a felicidade, para o amor fácil, para ter sucesso ou um corpo digno de capa de revista. Parece, dizem, que é só misturar um pouco disso e daquilo e pronto: servir-se à vontade.
Há aqueles que insistem em afirmar que a diferença está no tempero. Tanto faz o que vai ao prato, mas esses parecem concordar que uma vida sem sal é muito sem graça.
Muitos têm certeza que onde não há doce, falta afeto. E que sem a doçura desse sabor, tudo talvez pareça amargo demais.
E tem ainda o azedo. Aquele amarrado na boca que aumenta a saliva e nos faz engolir mesmo as coisas que não nos parecem tão agradáveis ao paladar.Como remédios, alguns desses sabores são males necessários à cura.
Já ouvi dizer que se a vida tivesse receita, tudo seria mais fácil.
Mas, será mesmo que seguir instruções garante um resultado delicioso? Ou há tempos de preparo e espera, toques de sabor e ousadia que não foram registrados e que, talvez, exatamente por isso são responsáveis pelo sucesso do prato?
Sei que cozinheiros são como alquimistas. E que alguns chefs inventam maravilhas apenas com o que dispõem na geladeira e na dispensa. O que para alguns talvez pareça pouco, para essas pessoas, é o começo de tudo.
Sei também, pelo pouco do que provei até agora, que ter ou não ter receitas a seguir não parece fazer muita diferença. Porque pior do que a surpresa de gostos inesperados é passar o tempo que temos apenas folheando as páginas do livro, admirando receitas que nunca faremos. Pior do que experiências que passaram do ponto ou que ainda nos parecem cruas é uma cozinha de propaganda de revista, que nunca foi tocada por ninguém.
O fato é que doces, salgados, amargos, azedos, todos os sabores são bem-vindos.  O que importa mesmo, é misturar um pouco de tudo e sempre, sempre mesmo, passar o dedo na vida.

Que nos seja servido 2011!!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Carta aos leitores com os quais convivi nesses quatro anos de Projeto Letras de Luz


Compartilhar uma paixão é sempre uma experiência maravilhosa.

Primeiro, vem o desejo. Sim. Tudo começa com a vontade de ver, de saber o que é, de estar junto. E, foi por causa dessa intenção que vocês chegaram até essa oficina.
Depois, vem o momento de trocar, onde cada um apresenta seus gestos, suas perguntas, seus sonhos. No nosso caso, os gostos foram as palavras. Sim! As palavras!
Durante esses cinco encontros, procurei seduzi-los para que se encantassem com a maravilha que é ler e se permitir o prazer de conhecer e se reconhecer em outras vozes, nas nossas conversas apreciativas, nos diferentes gêneros que experimentamos e nos mais variados autores com os quais convivemos.
Mas, todos nós sabemos, que as paixões são efêmeras, ou seja, elas não duram. E que, para que se transformem em amor, é preciso cultivar o sentimento.
E é esse o meu sincero desejo: que com ou sem Letras de Luz, vocês, nós possamos cultivar a necessidade de estar em contato permanente com a literatura. Não somente porque somos educadores. Mas, porque como seres humanos precisamos lutar sempre por nosso direito à fantasia e pela necessidade de alimentarmos nossos espíritos com coisas boas.
Espero, sinceramente, que a paixão despertada ou renovada nessas oficinas possa tornar-se amor. E que, como todo verdadeiro amor, transforme-se em hábito. Para toda a vida.
Denise Guilherme da Silva.


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Rua do Medo - Leonardo Cortez - CCSP até 19 de dezembro - 5a. , 6a. e sábado às 21h e domingo às 20h

Tudo era apenas uma brincadeira. 
A gente era criança. E o faz de conta acontecia em cada gesto. Nos brinquedos que fazíamos, nos jogos diversos que inventávamos.
Numa família repleta de personagens, imitá-los foi o primeiro ato. Depois, seguiu-se a paródia dos programas de TV. Momento do Jornal Nacional, pausa para informar a programação do dia. Todos descíamos caracterizados com as roupas garimpadas nos armários dos meus pais e pronto: a festa continuava.  Sim, continuava. Porque já havia começado muito antes, enquanto planejávamos a cena, definíamos os papéis e o roteiro. Tudo muito bem improvisado.
E o telejornal ficava para depois. Sempre.
O tempo correu e o jogo de criança virou paixão adolescente. Formamos uma trupe. Apaixonados por teatro e, alguns de nós, uns pelos outros.
O palco foi lugar de descobertas. 
Adolescer em cena é privilégio para poucos. Na ribalta descobrimos que podíamos ser o que quiséssemos. O papel das nossas vidas poderia ter o tamanho dos nossos sonhos. E eles eram infinitos!
Após esse ato eu, minha irmã e o caçula  saímos de cena e fomos buscar outros cenários.
Um dentre nós, no entanto, talvez tenha reconhecido ali que tudo podia ser espaço de criação, de realização e de tantas outras descobertas desde que o palco fosse sua vida. E daí, fez-se ator. 
Continuou ainda mais artista, arteiro, inventor, escritor, escultor, desenhista. Criador. De muitas criaturas. Tantas quantas sua imaginação pudesse gestar. E ela é grandiosa. Sempre foi.
Hoje é pai de dois meninos. Dois pequenos curiosos. Entusiastas da Vida. Experimentadores. Suas melhores e maiores criações. Até o momento.
Hoje é ator. Um dos melhores que conheço. E não apenas por ser meu irmão e  essa opinião estar carregada de todo o amor que sinto por ele. Mas, pelo ser humano que é. E só mesmo vivendo a vida com presença é possível atuar com verdade.
Ontem estive na estréia e encheu-me de orgulho ver a beleza do trabalho de um grupo afinado, cujas cenas pareciam um balé. Um jogo deliciosamente armado para deleite da platéia. 
Em vários momentos, meu peito encheu-me de alegria e, embora tenha contido essa vontade, permaneceu comigo o desejo de dizer a todos, com grande entusiasmo, em meio aos aplausos efusivos: "Aquele cara, aquele super ator, é MEU IRMÃO!"
E para quem quiser conferir uma parte da história aqui contada e atestar a imparcialidade dessa visão, é só passar pelo Centro Cultural São Paulo e assistir Rua do Medo. Até  19 de dezembro.
Vai lá!

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Primeiras leituras. Primeiras histórias.

Ontem meu sobrinho mais velho - Arthur - descobriu que aprendeu a ler! 
Suas primeiras palavras: "Yes, you can!". 
Reconhecer - pela primeira vez - que é possível ver o mundo através de signos é sempre uma experiência linda. E poder estar perto de quem vivencia esse momento é um privilégio para poucos. Basta apenas uma distração e pronto: o salto se deu.
O instante mágico em que os sinais se organizam e aquilo que antes era impossibilidade ganha vida habita o terreno do fantástico. A partir daí passamos a ver o que não enxergávamos e o mundo ganha sentidos inimagináveis.
Penso que muitas vezes retomamos, brevemente,  esse sentimento quando lemos um livro novo. Talvez por isso estejamos sempre à procura dos textos desconhecidos. Daquelas palavras que poderão nos surpreender e revelar o que antes era invisível.
Embora carregado de magia, esse instante é sempre uma contradição: o doce susto da descoberta x o conforto do que nos é conhecido.  Ainda assim  invejo aqueles que lêem alguns autores pela primeira vez: Guimarães, Gabriel Garcia Marquez, Clarice, Saramago, Lobato... 
Jamais o sabor da descoberta será tão intenso quanto nessa primeira mirada. 
"Mire e veja", Arthur! Sim, vc pode!

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Dzi Croquettes - Tatiana Issa e Raphael Alvarez - 2009 - Brasil


É certo que desde sempre se diz que brasileiro não tem memória. E disso a gente não esquece.

Saí do cinema nesse fim de semana pensando sobre esse clichê...
Não cheguei a nenhuma grande conclusão mas, penso que temos memória, sim. Ela é apenas seletiva. Cabe-nos, no entanto, perguntar: quem decide o que permanece guardado conosco?
Que Chico, Caetano e Gil estiveram em festivais na década de 60, todos sabem. Que esses poetas maravilhosos fizeram de suas músicas verdadeiros atos de resistência à ditadura, também já ouvimos falar.
E o que dizer de um grupo de 13 homens contemporâneos ao regime que resolveram também fazer da arte um tributo à vida? Aliás, "Nem homem. Nem mulher. Gente." Pessoas que com seus corpos e mentes lindos, ágeis e irreverentes fizeram do palco espaço de catarse, inquietação e libertação?
Esses foram os Dzi Croquettes. 
Mesmo que nunca tenhamos ouvido falar esse nome, as referências às criações desse grupo estão presentes no trabalho de muitos artistas contemporâneos que admiramos. Desde o visual escandaloso (vejam se a imagem não lembra algum show do Ney) até as expressões coloquiais que empregamos com humor em nosso cotidiano ("Tá boa, santa?"), o filme revela o quanto uma obra de arte, quando genuína, permanece independentemente das resistências que encontra em seu tempo.
Em uma sociedade que procura sempre nos enquadrar em determinados papéis, os Dzi Croquettes não se encaixaram em nenhuma definição. Pelo contrário: foram (e ainda são!) pura ousadia. Revelando as múltiplas possibilidades da sexualidade humana, mostrando que podemos ir além do que pode ser estabelecido como feminino e masculino e sendo essencialmente verdadeiros com seus desejos, eles arrastaram multidões aos seus espetáculos, primeiramente no Rio de Janeiro, depois em São Paulo e daí para o mundo!
Impossível acompanhar a história narrada no filme sem nos questionarmos sobre as escolhas que fazemos e o quanto de nossa verdade pode ser revelada nas coisas que criamos. 
Quanto vale buscar aquilo que somos sem nos atermos aos modelos estabelecidos como únicos sonhos possíveis? 
Desejamos nossos desejos ou aqueles que nos foram impostos por anos de uma vida social cada vez mais engessada e limitadora da plenitude humana?
O que de fato queremos? 
A trajetória dos Dzi Croquettes não nos dá essas respostas. Talvez porque eles, rindo, cantando e dançando no palco e na vida estivessem apenas interessados em descobrir suas próprias perguntas e em eternizar-se, quem sabe, virando PURPURINAS...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A Origem - Christopher Nolan

E se tudo não passasse de um sonho?
E se todos nós fizermos parte do desejo, da lembrança ou até mesmo da histeria de alguém?
E se isso tudo for possível, como e quando é hora  de acordar?
Mais uma vez, Christopher Nolan faz um filme daqueles que prendem o fôlego, nos deixam cheios de interrogações e com pouquíssimas respostas.
Usando o cinema para falar de sonhos, o diretor faz pura metalinguagem. Com toda tecnologia de que dispomos atualmente, na tela todos os mundos podem existir. E no universo de Nolan, há sempre muito sobre o que pensar.
Achei brilhante o modo como o filme ilustra o funcionamento da mente: esse labirinto exclusivo que criamos a partir de todas as experiências que vivemos - conscientes ou não. As defesas que nos protegem de outras realidades, as lembranças que aprisionamos em andares abandonados, os segredos que guardamos de nós mesmos, as mentiras que nos contamos...
Como um quadro de Dali, onde nada faz sentido e ao mesmo tempo tudo é pura integração, entrar na mente dos personagens do filme é uma viagem que nos faz pensar sobre nosso próprio mundo. Sobre as imagens que fizemos surgir para tornar a realidade possível.
Vivemos em um constante paradigma: Sem sonhos, tudo aqui talvez fosse muito difícil. Sem saber a verdade, só teríamos a sombra.
Há uma linha tênue que divide esses dois universos paralelos. Atravessá-la, para alguns, pode significar um salto para a loucura.
Para aqueles que se lançam em outras direções pode ser um primeiro passo em busca da liberdade, da individualidade. Um mergulho para poucos.
Para ver e rever. E sonhar.

sábado, 19 de junho de 2010

Morreu José Saramago. Autor de um dos livros que mais me surpreendeu em minha história leitora

Ontem, acordei com a notícia da morte de José Saramago. Mundialmente conhecido escritor português, vencedor de inúmeros prêmios, inclusive o Nobel da Literatura.
Levou um tempo para que eu pudesse entrar em contato com sua obra.Como um bom vinho, Saramago exige um  "paladar" leitor apurado e, talvez, uma certa dose de rebeldia para perceber as ousadias que ele fazia com nossa língua portuguesa.
Lembro-me do encontro com o livro "O ensaio sobre a cegueira" há cinco anos atrás e do impacto que me causou seu discurso tão bem construído e sua maravilhosa visão sobre as inúmeras facetas disso que chamamos ser humano. Arrisco dizer que, até hoje, pouquíssimos livros me fizeram sentir tamanha admiração. Não só pelo enredo e pela trama mas, principalmente, pela forma como as palavras foram combinadas para construir sentido. Uma verdadeira obra de arte.
Curisamente, ao saber que Saramago se foi,  não houve nenhuma nota de tristeza. Porque penso que só podemos lamentar as vidas que não foram vividas. Aquelas que foram interrompidas sem que a experiência fosse carregada de presença, entrega e intensidade.
José Saramago esteve sempre lúcido. Sempre presente. Sua voz costumava ecoar em meio as injustiças, denunciando, muitas vezes, os tantos "reis nus" que ainda teimam em disseminar suas tiranias.
Sua obra, mais do que qualquer outro legado, atesta sua grandiosa humanidade. Coisa que apenas os homens simples e atentos à experiência da vida são capazes de testemunhar.
Há pouco tempo, li uma entrevista com o autor dizendo que "não poderia ter morrido sem ter conhecido Pilar." Lembro-me o quanto essa tenra declaração de amor à sua esposa tocou-me naquele momento. Ousando parafrasear sua delicadeza,  devo dizer que "nenhum leitor deveria se permitir passar  por essa vida, sem se aventurar a  conhecer a obra de Saramago."
Boa viagem, José Saramago!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A sociedade literária e a torta de casca de batata - Mary Ann Shaffer e Annie Barrows


O quanto a palavra pode nos tornar ainda mais próximos?
Que mistérios levam os livros a criar comunidades e inspirar sonhos comuns?
Penso e sinto, desde sempre, que nos fazemos a partir de nossas histórias e de outras tantas narrativas que atravessam nossa passagem por essa estrada a qual chamamos de vida.
Já quando menina, observando o contato de meus pais com livros e jornais, nas conversas ao redor da mesa antes, durante e depois das refeições, nas histórias lidas antes de dormir... em todos os momentos, as palavras estiveram construindo sentido e dizendo-nos o que somos, ajudando-nos a responder ao que viéramos.
Sendo assim, pareceu-me natural que a literatura fosse um modo maravilhoso de criarmos sentido para nossas experiências. De gerarmos outras possibilidades de vida. De nos fazermos próximos a partir de nossa singularidade e daquilo que temos em comum.
No livro "A sociedade literária e a torta de casca de batata" são os livros que tornam-se o motivo para que, em uma ilha invadida pelos alemães durante a Guerra, alguns habitantes possam encontrar alento nas palavras de outros e dar voz aos sentimentos a partir dos personagens de outras histórias.
Narrativas atravessam o mar e, escritas em uma capa de um livro, dão início a uma deliciosa troca de cartas que, juntas, contam diferentes visões sobre as contradições entre  experiência limite do auge da violência humana e a capacidade que possuímos de sermos generosos e solidários ao sofrimento dos outros.
Quando a guerra nos rouba parte do que temos de mais precioso, é preciso encontrar sentido para estar junto. Para reconstruir. Para re-significar.
Quando a vida se apresenta como um desafio,  uma alternativa possível pode ser buscar aquilo que nos aproxima. E as palavras, ah!, elas podem generosamente nos mostrar novos caminhos.
Estejamos abertos.
Elas nos pedem passagem!
Sempre.


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Comer, rezar e amar - Elisabeth Gilbert - Editora Objetiva

Dizem que não escolhemos os livros mas, somos escolhidos por eles.
Esse é mais um caso em que isso acontece comigo. Na verdade, dessa vez, quem o escolheu por mim foi minha mãe. Presente de aniversário.
Sucesso de vendas há algum tempo, em breve estará nas telas do cinema com Julia Roberts no papel da protagonista. O livro narra a história real de  Liz Gilbert: americana, divorciada e escritora que após uma grande crise pessoal resolve viajar o mundo e passar quatro meses exercitando com intensidade cada um dos verbos do título.
Parece bem simples. E é mesmo. Como a vida de qualquer um de nós: cheia de clichês.
Num tempo em que muitos vivem no automático, não é raro nos sentirmos vazios. Termos medo do que é novo. Daquilo que não conhecemos.
Há sempre um apego muito grande às coisas que já não fazem mais parte da nossa história, mesmo quando são elas que nos fazem mal. E, se não estivermos atentos, perdemos nossa ligação com tudo o que realmente importa.
Como Liz, penso que precisamos cuidar daquilo que comemos. Do que deixamos que seja parte do nosso corpo. Do que nos alimenta. Ou estaremos fadados há sentir o gosto amargo daquilo que não conseguimos digerir, dos sapos que engolimos e de tudo o que consumimos sem consciência. Sem decisão. E, um belo dia, acordaremos e nos daremos conta de que estamos cheios do que não nos sustenta e descobriremos que por estarmos ausentes de nós mesmos, fomos vítimas de uma mentira. Muitas vezes, uma doce mentira contada por nós mesmos.
No caso da personagem do livro essa tomada de consciência se dá em meio a um casamento fracassado. Para outros é preciso um câncer ou qualquer doença terminal. O corpo fala. E às vezes, grita. Urra.
Quando se quer o novo, é preciso abandonar o velho. Limpar o pó das mágoas. Reconhecer os movimentos que nos fazem voltar à antigos padrões. É preciso ficar sempre alerta. Atento e forte. Mantendo-se conectado com aquilo que realmente importa. Com  presença e integridade em tudo o que fazemos. Rezando. Meditando. Buscando nossa essência.
Pouco importa o caminho escolhido. Imprescindível é que ele seja feito com lucidez. Com consciência. Perseguindo arduamente o que de fato somos. O que se esconde por baixo das couraças, por traz das nossas máscaras e das fantasias que criamos para sermos "aceitos", para sobrevivermos às nossas impressões sobre o mundo que nos cerca.
Pode ser em um ashram na Índia. Ou em um lugar bem próximo e, paradoxalmente, muito mais difícil de se ir: dentro de nós mesmos.
Por fim, é preciso amar. Não da forma romântica e idealizada que nos faz consumir cafés da manhã de comerciais de margarina. Nem da forma egoísta em que se baseia a pseudo auto-estima que ajuda a vender milhões em cosméticos e auto-ajuda.
Uma vez escolhendo o que queremos trazer para dentro de nós, o que de fato nos alimenta, inevitavelmente, nos ligamos ao que realmente importa. O encontro pode nos mostrar algo que não queremos enxergar. Uma verdade dura de se ver. Mas,  se tivermos coragem e lucidez podemos aprender a aceitar, acolher, amar, compreender o que somos e quem sabe encontraremos o tão desejado equilíbrio?
Como a autora-personagem, fico feliz em saber que todos nos sentimos perdidos. É um alívio não me obrigar a ser dona de nenhuma verdade. Por que as verdades são muitas. E querer enquadrar a todos em nosso modelo de felicidade é frustração na certa. O caminho de cada um é único.
Minha busca ainda não acabou. Diferentemente de Liz Gilbert, ainda não sei onde isso vai me levar.
Mas, há uma esperança aqui dentro de que, talvez os momentos de crise possam me trazer para mais perto de mim mesma.  Pondo-me em contato com o mundo e com os outros. E, quem sabe, aproximando-me cada vez mais do que realmente pode ser a VIDA.



terça-feira, 2 de março de 2010

Grande sertão: Veredas - Guimarães Rosa

"Nonada".
Como se diz tanto, com tão pouco?
Há imagens que ficam impressas na memória, como se fizessem parte da nossa história, mesmo que nunca tenhamos vivido a experiência.
Alguns chamarão isso de inconsciente coletivo. Prefiro acreditar que existem certos retratos que espelham a condição humana com tamanha verdade que logo nos identificamos e reconhecemos-nos como parte da cena.
É assim com a obra de Guimarães. Mesmo quem nunca foi ao sertão, sente a aridez do combate, a solidão das veredas e a tensão pela espera da morte sempre anunciada.
Mesmo quem nunca amou sem conflito, experimenta a contradição dos sentimentos entre Tatarana e Diadorim.
Foram muitas páginas de conversa com Guimarães por meio de Riobaldo, falando coisas sobre a vida com tamanha simplicidade, intensidade e beleza... Uma verdadeira obra de arte esculpida em palavras.
Para mim, é essa a matéria da qual são feitos os grandes escritores. Não exatamente o que eles dizem mas, a forma como são capazes de traduzir a condição humana em palavras. E por saberem burilar o verbo com maestria, nos envolvemos na trama, nos detalhes e comungamos as venturas e desventuras experimentadas pelas personagens.
Surpreendi-me, com a tristeza, a dor e a intensidade com a qual senti a descoberta de um amor possível que durante toda uma vida pareceu improvável. Chorei a morte de Diadorim.
Numa sexta-feira de sol, sentada na cama, vi-me como Bastian de "A história sem fim", lamentando o ponto final definitivo dessa narrativa.
Prazeres que só quem partilha a experiência de amar os livros e tentar ser mais humano a partir da experiência narrada por outros é capaz de sentir.
Para ler e reler. Para perder e encontrar.
Para férias de janeiro, para os tempos de sertão. Para pausas nas veredas da vida.
Guimarães, sempre.

"O céu vem abaixando. Narrei ao senhor.
No que narrei, o senhor até ache mais do que eu, a minha verdade.
Fim que foi. Aqui a estória se acabou.
Aqui, a estória acabada.
Aqui a estória acaba."