Nunca havia experimentado uma dor desse tamanho.
Durante 14 anos, entrar naquele consultório numa ruazinha arborizada da Santa Cecília foi um espaço de encontro. O que via semanalmente naqueles 50 minutos (às vezes intermináveis, noutras, fugazes) nem sempre foi o que gostaria de enxergar. Era eu mesma, em minhas múltiplas faces. Algumas surpreendentes. Outras sombrias. Todas minhas. Inegavelmente.
Entre risos, choros e longas conversas ou monólogos, ela esteve ali: presença constante. Espelho. Interrogação. Abraço. Repreensão.
Olga levou consigo uma parte da minha história que ninguém mais saberá. Com a sua morte percebi o quanto aprendi sobre mim e, curiosamente reconheci minha ignorância sobre ela.
Quem era aquela mulher? Quais eram os seus interesses? Que
impressões construiu a meu respeito? Nunca soube muito sobre isso.
Cercada por seus parentes e alguns poucos amigos e pacientes, ao me despedir de seu corpo, descobri que uma das pessoas que mais me conheceu foi, em grande parte, estranha para mim. Um curioso paradoxo do processo terapêutico: a distância criando proximidade.
Vez por outra sinto muito a sua falta.
Sei que essa ausência será permanente. Em alguns momentos desejo voltar aquele sofá e encontrar seus ouvidos, seu olhar, suas perguntas perspicazes, sua lucidez em meio as minhas crises.
Mas, esse foi um outro tempo. E agora, como ela mesma me disse tantas vezes, chegou o tempo de buscar meu "terapeuta interior".
Nesse ano, reencontrei-a nas páginas da literatura. Na obra do escritor terapeuta ou vice-versa Irvin Yalon.
Os livros têm dessas coisas. Eles nos trazem de volta aqueles que já foram, mundos que não mais existem.
As palavras têm o poder de prender o tempo. Suspender. Eternizar.
Comecei com "Mentiras no divã" e, pela primeira vez, estive do outro lado do sofá daquele consultório. Vi-me por meio dos olhos de quem analisa. De quem reconhece a fragilidade do outro e estende a mão.
Penso que terapeutas fazem isso. Constroem pontes para nossos múltiplos lados. Para que possamos reconhecer a nossa diversidade.
Como descobrem a matéria de que são feitos esses caminhos? Não sei.
Através da ficção o autor nos dá algumas pistas sobre isso.
Nessa semana terminei outro de seus livros: "Mamãe e o sentido da vida". Nesse, algumas histórias são reais e outras não. Em todas, Olga - nas palavras de Irvin - esteva lá. Desvelando sonhos e falando comigo sobre o grande momento final: "a morte" - tema da maior parte dos contos da obra.
Para Irvin, nossa sociedade criou mecanismos que nos afastam do sofrimento, da velhice, da passagem dos anos. Isolamos nossos doentes, mantemos nossos idosos distantes, usamos cremes e cirurgias para negar que o tempo que se esvai.
Por mais que nos esforcemos para negar essa verdade, há grandes perguntas que nunca terão resposta. Não sabemos o que existe antes de nascermos nem o que virá depois de partirmos. Essas são grandes vazios que precedem e encerram nossa existência ou nossa consciência.
Somos finitos. Essa certeza pode dar outro sentido às nossas experiências.
Estarmos próximos dessas questões, segundo o autor, inegavelmente nos aproxima da vida.
E é por me fazer pensar sobre esses dilemas e, de certa forma, voltar meus olhos para temas que ainda não ousei enfrentar, que continuarei fazendo memória dos encontros com Olga nas páginas de Yalon.